quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Uma estética do Encontro

         Crónica

     Como o barro que se deixa moldar pelas mãos do artista, assim o artista (re)cria a linguagem de uma Procura num rebuliço interior que ganha uma estética. Uma estética com ética. O ritmo e a harmonia numa síntese entre a forma e o conteúdo.

      A intervenção humana na construção do «belo», de uma estética, burilou também a conceção de Deus, fazendo de Deus uma «obra» desenhada pelo próprio homem. Deus entende-se ou faz-se entender na sensibilidade, no tempo que é agora e que, pela estética da natureza, como «obra», ou da «obra» que resulta da natureza humana, é também um tempo indefinido no espaço incontrolável. Onde sopra o vento... a poesia e a arte podem ser a ignição do divino.

      Mas se é pelos sentidos que se constrói o «belo» e a fé pode ganhar força de atração, estará a estética de Deus condicionada pelas aparências do sensível? Nada há no intelecto que não passe antes pela escuta dos sentidos, pela “arte da escuta”, que, nas palavras do poeta Tolentino de Mendonça, é também “um exercício de resistência” (A mística do instante, 2014, Paulinas).  

       As narrativas sobre o nascimento de Jesus revolucionam o conceito: Não é o homem que se converte a Deus, é Deus que se converte ao homem assumindo a sensibilidade e o sentimento nas mais elementares fragilidades e nas maiores grandezas. O totalmente Outro é totalmente próximo e o exercício da fé cristã arrisca-se a ser tendencialmente incoerente porque o desafio é tremendamente radical. Como vislumbrar a harmonia num percurso de insatisfação, inquietação e procura incessantes?

       Do Eu para um Tu, pela descoberta da relação, o nascimento de um Nós abrirá caminho à felicidade do Encontro dando sentido ético e estético à própria existência. 

     No sensível aparente da insondável arte momentânea e da poesia podem revelar-se também as vias rápidas para Deus, um Deus que resiste, teima e não desiste do homem. «Deus tem futuro?», perguntava-se há dias num debate televisivo. Só haverá Deus no horizonte de uma relação fértil em novidade e prenhe de criatividade, quando a «minha» verdade se disser no encontro com a verdade do outro.

      Com o «belo» como fundamento, um presépio moldado pelo barrista, como um tambor que surpreende ao rasgar a cândida monotonia dos manuais litúrgicos, uma onda gigante que empurra o surfista, ou uma fotografia artística do Papa em oração numa mesquita, podem ganhar o valor estético dessa ética sem fronteiras. (Joaquim Franco, crónica publicada em SIC Online)


      Sugestões de leitura: Neste Natal (Difusora Bíblica) de Lopes Morgado; Amor, silêncios e tempestades (Paulus) de José Luís Nunes Martins; Na noite mora a promessa (Paulinas) de Isabel Varanda.

Sem comentários: